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Resolvi tomar café com a minha criança - parte 1

criança

Ela já estava me esperando na mesa de canto sentada de costas para a entrada, balançava as perninhas impaciente porque eu estava atrasada, mas quando me viu, abriu um sorriso tão grande e sincero que eu tive que correr para abraçar aquela garotinha.


Seus olhos curiosos me perguntaram porque eu tinha me atrasado, já que ela sempre gostou das coisas na hora, expliquei que acabei me perdendo no tempo pensando em todas as possibilidades que essa nossa conversa teria, ela sorriu e disse:


- Você pensa demais!


Sorri e concordei com a cabeça, queria contar para ela todas as coisas que conquistamos, eu sei que várias não eram como ela tinha planejado, mas eu estava confiante de que ela ficaria não só feliz, mas que vibraria muito por tudo que tínhamos nos tornado.


Queria começar com algo que deixasse ela animada, perguntei como estavam as leituras e ela me olhou orgulhosa de si mesma, falando que tinha lido já dois livros no mês e estava indo para o terceiro, se empolgou e contou como mergulhava nas histórias como se estivesse naquela dimensão com os personagens. Eu estava encantada como os olhos dela brilhavam contando detalhes do último livro, quando terminou me perguntou:


- Nós lemos muitos livros incríveis? Quais são os que não gostamos para eu não perder tempo com eles...


Eu já não aguentava mais o suspense e tirei da bolsa um livro e entreguei para ela, pedi para que lesse o nome no topo, ela leu, olhou pra mim, olhou para o livro, voltou o olhar para mim de novo, e perguntou:


- A gente escreveu um livro? – seus olhinhos agora arregados.

Eu acenei que sim, e nesse mesmo instante ela levantou da sua cadeira e começou a balançar os braços e a cabeça em uma dança muito engraçada e desengonçada, ela me convidou para dançarmos juntas, eu olhei em volta preocupada que me vissem dançando do nada e sem música, ela sorriu para mim e não me contive, a gente merecia essa dança.

Dançamos até suar e depois nos jogamos em nossas cadeiras de novo, percebemos que tínhamos muito o que conversar ainda.


Ela me contou feliz que tinha entrado no time de vôlei da cidade, mas que os treinos eram longe de casa e, por isso, ela teve que parar de ir o que a deixou triste, eu a acalmei dizendo que a gente fez muitos esportes, e que eu não vou deixar de me movimentar porque eu sei o quanto isso a faz se sentir viva. Quando contei do dia que fizemos rapel ela queria todos os detalhes, o lugar, a altura, se eu tive medo, e se iríamos fazer de novo.


Um dos seus sonhos era ser uma grande advogada e ajudar as pessoas inocentes a não serem presas, e ajudar mulheres igual assistia nos episódios de Law and Order, então ficou na expectativa que eu concordasse, eu consegui manter a minha cara de séria com a insistência dela apesar de querer rir, e expliquei que trocamos o direito por publicidade e propaganda e não ajudávamos muito as pessoas por um tempo, mas que depois mudamos a rota e hoje ajudamos muitas pessoas, principalmente mulheres a se conectarem com elas mesmas, como nós duas estamos fazendo agora, ela pareceu não entender muito, mas me olhou e soltou:


- O que importa é que estamos ajudando as pessoas!

Eu sorri, se ela soubesse o quanto ela me ajudou a ajudar pessoas, mas ela não conseguiria compreender e eu não saberia explicar, não agora pelo menos.


De repente vi sua cabeça abaixar, seus ombros se encolherem, perguntei o que tinha acontecido e, ela sussurrou que tinham rido dela e isso a tinha deixado com muita vergonha, porque ela não queria que rissem, ela só queria fazer amigos. Respirei para não deixar uma lágrima cair e a puxei para o meu colo, expliquei que ao longo da vida muitas pessoas riram da gente, mas muito mais pessoas riram COM a gente, fizemos amigos em todas as fases que vivemos até então, muitos se foram, alguns ficaram, mas aprendemos muito o valor de uma amizade de verdade. Nesse momento senti seus braços no meu pescoço e ela cochichando no meu ouvido: “a gente não ficou sozinha né?” - eu a abracei apertado e respondi com todo o meu coração:


- Não ficamos não, nós tivemos e temos pessoas incríveis do nosso lado, mas antes disso, aprendemos a ser inteiras. - ela sorriu e voltou para sua cadeira.

O garçom chegou e ela pediu um queijo quente para comer e me olhou estranho quando pedi um pedaço de bolo, eu sabia exatamente o que ela não estava entendendo, e tentei me explicar:


- Eu não sei direito quando aconteceu, mas hoje nós adoramos um doce, preferimos na maior parte das vezes o salgado, mas um docinho com café, tem seu valor.


Ela deu de ombros, como se não entendesse como eu poderia trocar queijo derretido por

qualquer outra coisa, isso não tinha explicação, queijo seria sempre o melhor, e de repente ela me olhou muito séria e soltou “nossa comida favorita ainda é a lasanha da mãe né?”, eu concordei com a cabeça enquanto comia meu bolo, e isso a fez suspirar de alívio.


Trocamos algumas confidências, e ela lembrou da viagem para Minas, horas dentro de um carro cheio de pessoas e coisas, mas ela estava feliz porque tinha sido a viagem mais longa e ela se achava muito aventureira por ter vivido isso, além de ter ficado com a sua família. Falou sobre as cidades que conheceu e o absurdo de ter que ficar com as crianças, enquanto os adultos iam conhecer a capital, BH. Prometi a ela que eu voltaria para Minas, para poder visitar BH, mas a deixei nas nuvens quando contei que começamos a viajar com mais frequência, que já tínhamos ido para dois países diferentes e o terceiro já estava engatilhado, além de todas as cidades e lugares lindos no Brasil que conhecemos, de todas as experiências que vivemos.


Terminamos nossos pratos e resolvemos que por hora, já tínhamos conversado bastante, tínhamos uma vida para compreender os desejos e sonhos de cada uma e como tudo tinha se desenrolado, ela levantou antes de mim, sempre pronta e obediente, me olhou como quisesse me abraçar mas não se moveu, mal sabia ela que demonstrações de carinho ainda eram um pouco complicadas, apesar delas terem melhorado.


Dei os dois passos que tinham de distância entre nós e a abracei forte, prometi que voltaríamos a fazer isso, e ela sorriu, antes de ir, ela me olhou e perguntou:

- Nós temos um namorado?


Eu gargalhei, e disse que isso seria tema para nosso próximo encontro, ela fez beicinho e então a observei ir, e me senti feliz com esse primeiro café com a minha criança.



 
 
 

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